+55 (47) 2101-7070
Voltar

O que aprender com a maior recuperação judicial da história?

02 Julho 2019

Dona da maior empreiteira do Brasil, o Grupo Odebrecht protocolou recentemente o maior pedido de recuperação judicial já registrado no país. Sem condições para honrar seus compromissos, a empresa acionou a Justiça para viabilizar uma reestruturação das dívidas após duas delas, que estavam vencidas e somavam R$ 900 milhões, terem sido executadas pela Caixa.

Do total de débitos, estimado em R$ 98,5 bilhões, R$ 51 bilhões estão diretamente relacionados no processo de recuperação judicial que inclui 21 empresas do grupo. Assim, a holding ainda preserva suas principais companhias operacionais, como a Braskem e a Odebrecht Engenharia e Construção.

Os números são impressionantes. Mas além disso, servem para entender alguns desafios da gestão financeira de uma empresa complexa. A trajetória recente do grupo permite tirar lições importantes sobre planejamento estratégico, gestão de risco e controle do endividamento, por exemplo.

Entre os motivos que levaram à situação dramática vivida pela Odebrecht, o mais conhecido é o envolvimento no esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato. A participação sistemática da empresa em atos ilícitos gerou enormes desafios além dos que ela já esperava encontrar na expansão dos seus negócios.

Este artigo trata das dificuldades que a Odebrecht passou a enfrentar desde então, do ponto de vista da gestão financeira, assim como das lições que podemos tirar sobre controle de endividamento e gestão de risco a partir do maior pedido de recuperação judicial da história do Brasil.

A perda de credibilidade

No mundo das finanças, credibilidade é tudo. Na prática, é ela que precifica o custo de pegar dinheiro emprestado, seja junto a instituições financeiras, seja no mercado de capitais. Quanto melhor as condições para uma empresa honrar suas dívidas, menor o custo para obter recursos.

Mas nem sempre, a precificação é feita com base em cálculos objetivos. Às vezes, a expectativa de um futuro delicado basta para que a desconfiança cresça, elevando o custo do crédito.

Mesmo depois de ter assinado acordos de leniência e ter encorpado as áreas de conformidade e governança, num gesto simbólico para mudar a imagem associada à corrupção, permaneceram as dificuldades para a empresa conseguir contratos com o governo e obter novos financiamentos.

Por si só, a perda de credibilidade é um enorme problema, pois encarece as operações da empresa. E pelo que se demonstrou, a Odebrecht assumiu riscos muito altos ao se envolver de forma tão generalizada e profissional no maior esquema de corrupção já apurado no país.

Como se trata de uma atividade ilegal, a gestão do “risco de ser descoberto” se torna mera especulação. Se por um lado pode garantir um maior número de contratos e uma taxa de retorno acima do praticado no mercado, por outro, pode lançar a empresa numa espiral negativa, como de fato ocorreu.

O preço que a companhia paga hoje, certamente, é mais caro do que se imaginava. E a perda de credibilidade foi o gatilho para aumentar outros riscos, esses, sim, geridos de maneira técnica. O grande problema foi que a perda de credibilidade, e o consequente aumento dos riscos financeiros, ocorreu num momento em que o Grupo já estava excessivamente exposto a riscos internos e estratégicos.

Estratégia agressiva

Surfando no crescimento econômico que o Brasil apresentava na década passada, a maior construtora do país adotou uma estratégia agressiva de diversificação das suas atividades e expansão dos negócios. A sua crise financeira se iniciou em um momento de grande expectativa de crescimento, um tempo áureo para a companhia.

Para se ter uma ideia, em menos de dez anos, o faturamento anual do Grupo Odebrecht mais do que triplicou, saindo de R$ 40 bilhões para R$ 132 bilhões, entre 2008 e 2015. Em 2010, o Grupo anunciou que até 2020 pretendia faturar R$ 200 bilhões.

Na esteira desse entusiasmo, a companhia ampliou suas atividades em diversos mercados, como construção, petroquímica, indústria naval, defesa, óleo e gás, etanol e gestão de resíduos, e passou a operar em outros países, principalmente, da América Latina e da África, também de modo suspeito.

Para viabilizar uma expansão dessa intensidade, foi preciso obter financiamentos, atrair capital e recursos humanos. Assim, a Odebrecht ampliou o número de funcionários de 82 mil para 128 mil, entre 2008 e 2015, registrando a marca de 274 mil empregados, em 2014.

Mas os números mais impressionantes são os que representam a trajetória da dívida da empresa. Para viabilizar seu plano de negócios, o Grupo Odebrecht precisou multiplicar por seis a sua dívida. Assim, ela saltou de R$ 18 bilhões, em 2008, para R$ 110 bilhões, em 2015.

Os riscos internos e estratégicos estavam postos.

Risco por todos os lados

Desde 2016, quando passou a colaborar com a Lava Jato, o Grupo viu suas dificuldades crescerem em duas frentes. Na gestão financeira, começou a se deparar com a dificuldade de conseguir financiamento junto aos bancos públicos, os principais credores da sua dívida, atualmente, com R$ 22 bilhões dos R$ 51 bilhões diretamente envolvidos na recuperação judicial. A falta de acesso ao crédito pode criar problemas para a gestão do fluxo de caixa, elevando assim os riscos financeiros.

Além disso, os contratos com o governo também foram minguando, o que trouxe uma forte redução de receitas. Dos 132 bilhões faturados, em 2015, elas despencaram para R$ 89 bilhões no ano seguinte, em 2016. Ou seja, quase um terço a menos em apenas um ano, ao passo que sua dívida permanecia alta.

A espiral negativa se completa nos esforços não muito bem-sucedidos empregados no seu plano de desinvestimento. Desde então, o Grupo conseguiu vender cerca de R$ 7 bilhões em ativos, mas não conseguiu se desfazer de participações importantes, como a hidrelétrica de Santo Antônio.

Se por si só, a estratégia de crescimento já impunha desafios à altura da ambição do Grupo – elevando os riscos internos estratégicos –, por outro lado, a situação foi se tornando mais dramática à medida que a economia brasileira se afundava numa crise que até hoje não se foi.

Sem contar os riscos externos, já seria bastante desafiador manter o controle do endividamento equilibrado. A gestão de risco, no entanto, deve sempre ter em vista o cenário global. Além de ter subestimado o risco associado à corrupção, ela expôs excessivamente a empresa a riscos externos.

A economia mundial desacelerou, o preço das commodities caiu, a política econômica fracassou e a produção do país regrediu. A construção civil parou, o custo do crédito encareceu. Combinados, esses fatores levaram uma das maiores empresas privadas não financeiras do Brasil à beira da falência, impondo seu maior desafio: propor, em até três meses, um plano de reestruturação de dívidas que agrade aos credores.

 

25 Abril 2024

Como escolher um sistema para gestão de tesouraria?

Ao escolher um software para as finanças, analisar processos, regras de compliance e integrações com ERPs é essencial.

Continue lendo
18 Abril 2024

Tecnologia em nuvem: como essas soluções aprimoram o trabalho da TI junto a gestão financeira?

Não é segredo que a tecnologia em nuvem já é uma parte essencial do cotidiano de muitas empresas. Mas a transformação di...

Continue lendo
04 Abril 2024

FP&A: O que é e por que é fundamental para a sua empresa?

Envolvendo atividades de planejamento, previsão, orçamento e funções analíticas, O FP&A é um conceito eficiente para...

Continue lendo